O dia em que Picasso resumiu a vida
Os grandes artistas assumem, muitas vezes, estatuto de
deuses depois de mortos. Passam a vida a trabalhar como artesãos, em ambientes
pouco ortodoxos, sempre em busca do detalhe que faz a diferença. Um destes
deuses é Picasso, um inovador artista espanhol que passou a maior parte da sua
vida a pintar, em França. Aí conheceu muitos artistas do seu tempo, numa cidade
que sempre reuniu sonhadores em busca do amor e da vontade de viver a vida que
escapa quando se está consciente.
A inspiração continua a surpreender os estudiosos. Uns
dizem que só aparece quando se trabalha, outros dizem que não existe, alguns
defendem que só pode aparecer num momento de distração… uma coisa é certa: há
momentos em que a confiança de ter feito bem é superior. Picasso, o artista que
demorou muitos anos até conseguir pintar como uma criança, também procurava
ideias na natureza, como qualquer pintor apaixonado pelo seu ofício. Paris é
imensa, tem vida, tem sentimento e iluminou muitos destinos.
Típico dos deuses são as lendas, histórias que nos abalam
pela força coesa e intensa na mensagem que transmitem. São frases curtas, nas
quais nos revemos e nas quais encontramos uma sabedoria superior que nos era
oculta até então. Pode uma frase resumir a vida? Provavelmente não. Picasso tentou
e, como sempre, foi genial.
Num dia normal de trabalho, em busca de fazer um scketch,( esboçar desenhar rascunhar ) algures num parque de
Paris, Picasso é interrompido por uma senhora dizendo reconhecê-lo e admirá-lo.
Os elogios do costume foram seguidos por um pedido emocional da senhora que
sonhava em ter um retrato seu, feito pelo grande artista. Após a insistência, o
esboço surgiu com o seu traço inconfundível, num par de minutos. A senhora
ficou agradavelmente surpreendida e entusiasmada pelas semelhança com o seu
rosto. Um sentimento de responsabilidade e gratidão levou-a a fazer uma
pergunta:
– Quanto lhe devo?
– 5000 francos, Madame – respondeu o artista.
– O quê? Tanto dinheiro? Mas você só demorou dois minutos a
fazer este desenho…
– Madame, levou-me a vida inteira – respondeu Picasso
celebremente.
Quanto tempo se leva a fazer uma obra de arte? 1 ano? 2
meses? 3 horas?E o tempo que se levou a viver, a aprender a fazer, a descobrir
o estilo pessoal, não conta? Conta sim, a vida é um fluxo contínuo. Vivemos com
todas as idades que tivemos e todo o conhecimento que temos é a nossa “vida
inteira”.
Texto de Pedro Fernandes